(O texto de que segue foi extraído do meu trabalho de conclusão do curso de Direito.)
Trata-se de um apanhado de diversos dispositivos de
proteção animal no tocante, principalmente, às técnicas de abate.
A começar pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais até
os guias brasileiros voltados para as indústrias da produção de
alimentos.
Ressalta-se,
por oportuno, que no âmbito legal a França foi quem influenciou os
demais a países a abrirem os olhos para os direitos dos animais,
sendo a primeira a promulgar leis a respeito (NOIRTIN, 2010) e, no
ano de 2015, passou a reconhecer os animais como seres sencientes, e
não mais como propriedade, em seu Código Civil vigente (AVANCINI,
2015).
A explanação dos dispositivos de proteção aos animais não pode
ser de outra forma, se não pela abordagem da Declaração Universal
dos Direitos dos Animais (1978). Esta que serve de modelo para as
legislações que surgiram depois (MÓL; VENANCIO, 2014).
A
citada Declaração conta com 14 artigos, e em seu preâmbulo está
disposto:
Considerando
que todo o animal possui direitos; Considerando que o desconhecimento
e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem
a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; Considerando
que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência
das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência
das outras espécies no mundo; Considerando que os genocídios são
perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar
outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está
ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a
educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender,
a respeitar e a amar os animais [...] (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS DOS ANIMAIS – UNESCO, 1978).
A
proposta dos ambientalistas que a elaboraram criou princípios de
ordem internacional, visto que vários países estavam desde o século
XIX desenvolvendo pequenas leis de proteção à fauna, conforme as
nações se desenvolviam após a revolução industrial (MÓL;
VENANCIO, 2014).
No
Brasil, a criação de leis iniciou-se em âmbitos municipais. E foi
em 1920 que surgiu a primeira lei em âmbito nacional, o Decreto nº
14.529:
Nela
regulava-se o funcionamento das “casas de diversões públicas”.
O texto dessa determinação seguia o modelo norte-americano do
século anterior, proibindo os combates de animais como forma de
divertimento, afirmando: “Art. 5º Não será concedida licença
para corridas de touros, garraios [bezerros] e novilhos, nem briga de
galos e canários ou quaisquer outras diversões desse gênero que
causem sofrimento aos animais” (MÓL; VENÂNCIO, 2014, p. 23).
Assim,
surgia no Brasil, o primeiro diploma legal de proteção aos animais.
Entretanto, parece que a proteção ficou só no papel, pois até
hoje se tem notícia das rinhas de galo, como se pode ilustrar com o
seguinte exemplo de 2012:
A
Polícia Ambiental de Maringá prendeu, por volta das 13h deste
domingo, 2 de novembro, quatro homens que promoviam rinhas na região
do município de Paiçandu (a 16km de Maringá), no Paraná. Segundo
o jornal O
Diário,
o flagrante, realizado graças a uma denúncia anônima, resgatou
mais de 15 galos. [...] A outra apreensão foi realizada em
Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG,
também no último domingo. Cerca de 41 pessoas foram detidas e
serão investigadas por maus-tratos a animais em promoção de rinhas
de galo na região. A apreensão também foi realizada após uma
denúncia anônima e, de acordo com a Polícia Militar (PM), cerca de
56 aves, algumas delas feridas, foram resgatadas (PIETRA, 2012,
p. [?]).
Outra
legislação federal lançada foi o Decreto n. 24.645/34, na Era
Vargas. O referido decreto tratava da proteção animal, tendo
destaque o seu artigo 3º, que elencava várias hipóteses
consideradas maus-tratos, dentre elas:
I –
praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II –
manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a
respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
III
– obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas
forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter
esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com
castigo;
[...]
XXIX
– realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de
espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em
lugar privado; (BRASIL, 1934).
Não
advém da escassez de normas destinadas à proteção dos animais a
continuidade de práticas de maus-tratos e tortura aos mesmos.
Diversos regulamentos já foram criados, em se tratando de
maus-tratos.
A
proteção em âmbito constitucional se fez presente no Brasil,
finalmente, na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988, que regulamentou em seu artigo 225 o direito do povo ao meio
ambiente equilibrado, ficando ao encargo do Poder Público e da
coletividade o dever de proteção:
Art.
225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para
assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII
- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas
que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento)
(BRASIL, 1988,
p. 143).
Mister
destacar que a proteção e defesa não estão limitadas aos animais
silvestres ou próximos à extinção, a tutela diz respeito a toda
fauna. O promotor de justiça Laerte
Fernando Levai ([2001?],
p. 7) ressalta
que:
ao
vedar a submissão de animais a atos de crueldade, sugere um
tratamento ético para com eles - rompendo com a visão
antropocêntrica do direito brasileiro - em quase a totalidade de
nosso ordenamento jurídico faunístico preponderam interesses outros
que não aqueles relacionados à compaixão que se deve nutrir pelas
criaturas vivas. Isso porque, em regra, os textos legislativos
brasileiros que se propõem – a priori - à tutela jurídica dos
animais, não resistem a uma apurada análise crítica. Embora sob
uma roupagem aparentemente protecionista ou humanitária, acabam eles
se tornando leis permissivas de comportamentos cruéis
Isso
porque várias leis cumprem o papel oposto ao de proteger e proibir
práticas cruéis, e servem para permitir e regulamentar determinadas
atividades como a caça, a vivissecção, o comércio de animais,
dentre outros.
Ainda
nesta seara, Levai ([2001?],
p. 27) ressalta,
que o dispositivo 225, § 1º,VII da Constituição da República
Federativa do Brasil:
ao
vedar as práticas que submetam os animais à crueldade, traz em si
um imperativo ético que reconhece o animal como ser vivente capaz de
sofrer, e não como objeto ou recurso natural, permitindo-lhe assumir
a condição de sujeito jurídico.
Por
sua vez, não se pode falar em legislação pátria sobre o direito
dos animais sem citar a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98), e no que
tange à proteção da fauna, cabe citar o artigo 32, que se refere à
criminalização por abuso e maus-tratos:
Art.
32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais
silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena:
detenção de três meses a um ano e multa. § 1º - incorre nas
mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal
vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando
existirem recursos alternativos. § 2º - a pena é aumentada de um
sexto a um terço, se ocorre a morte do animal (BRASIL, 1998, p.
1860).
Importante
citar o bem jurídico que se pretende tutelar a partir da inclusão
do artigo 32 na Lei 9.605/98. Como bem se observa, trata-se da
proteção fauna brasileira: silvestre, doméstica ou domesticada,
nativa ou exótica. Qualquer animal humano pode ser o agente do
crime, porém o sujeito passivo não se trata do animal, mas sim, a
coletividade. O animal é tratado como objeto material (PRADO, 2005).
Kamila
Guimarães de Moraes (2009) destaca que tramita na Câmara de
Deputados, desde 1988, quando da promulgação da referida Lei, o
Projeto de Lei nº 4.548, para retirar do artigo 32 as expressões
"domésticos ou domesticados" para que preserve
determinadas práticas culturais.
Luiz
Regis Prado, no livro Direito Penal do Ambiente, se preocupa em
explicar as particularidades dos artigos que compõe a Lei de Crimes
Ambientais, já citada, mas não faz uma abordagem que vá além
daquela que o homem médio já esteja acostumado, como atos cruéis
em animais não-humanos, tais como: “agente que é surpreendido
transportando inadequadamente aves”; “ agente que, de modo cruel,
bate com violência e introduz pedaço pontiagudo de madeira na égua
que puxava sua carroça”; “agente que ateia fogo em cachorro”
(PRADO, 2005, p. 280-281).
Não
que estes atos não sejam cruéis a ponto de não merecerem sanção
a quem os pratica, são, sim, atos covardes, mas o autor não traz
como cruéis o objeto desta pesquisa, qual seja, as práticas de
maus-tratos na criação e abate de animais pela indústria
alimentícia.
A
Declaração Universal dos Direitos dos Animais, em seu artigo 3º
defende que: “a) Nenhum animal será submetido a maus-tratos e a
atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser
instantânea, sem dor ou angústia”. (DECLARAÇÃO
UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS,
1978,
p. [?]). A
cultura de comer a carne animal não significa ato cruel? As grandes
indústrias de criação animal para o abate não agem de forma a
ocasionar maus-tratos e crueldade? Ou, a morte de um animal é, de
fato, necessária para a minha alimentação?
Difícil
não repetir tais questionamentos. O legislador, quando da criação
desses dispositivos, faz uma proteção seletiva e esquece-se de
regular quais atos são cruéis. O antropocentrismo que ainda ronda a
humanidade faz crer que algumas práticas de exploração animal na
verdade não exploram os animais, tão somente refletem a
superioridade e inteligência humana em dominar o mais fraco.
Alargando
a interpretação do catálogo de princípios em defesa dos direitos
humanos, para que sejam aplicados também aos animais, tem-se o
artigo 5º da (BRASIL, 1988), que em seu inciso III, assegura:
“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante”. O que não parecer ser uma conclusão absurda se levar
em consideração o posicionamento dos bem-estaristas
(utilitaristas), que defendem um tratamento humano aos animais quando
necessária sua utilização em pesquisas científicas.
Nesse
entendimento, nada mais justo que proibir a todos os animais, humanos
ou não, a exposição a tratamento desumano ou degradante. Sendo
assim, ambos sujeitos de direitos humanos já tutelados
juridicamente. Cabendo a eles direitos já regulados, tais como:
“inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança” (BRASIL, 1988, p. 15). Por óbvio, não se fala em
liberdade no sentido de que todos vivam soltos e vaguem pelas ruas e
propriedades. Os animais não-humanos são como crianças de quatro
anos, vão sempre precisar de cuidados humanos para proteção e
alimentação.
Cabe
fazer a observação sobre a problemática em torno da consideração
dos animais não-humanos como sujeitos de direito, pois para a
“doutrina clássica, o sujeito de direito é a quem a ordem
jurídica atribui a faculdade, o poder ou a obrigação de agir,
exercendo poderes ou cumprindo deveres” (NOIRTIN, 2010, p. 135).
Entretanto,
esta concepção já vem sofrendo mudanças, a partir da constatação
de os animais não-humanos também serem possuidores de direitos:
Embora
alguns juristas reconheçam a existência de um direito especial de
proteção aos animais, a ideia de considerar o animal não apenas
como bem móvel ou coisa, mas como sujeitos de direito, se consolida
à medida que se reconhece que os direitos não devem ser atribuídos
a um ser somente pela sua capacidade de falar ou pensar mas também
pela sua capacidade de sofrer (NOIRTIN, 2010, p. 136).
Mas,
deve-se pensar além da capacidade de sofrimento, e compreender os
animais como sujeitos de direito deve levar em consideração,
também, a capacidade que eles possuem de serem felizes, de viverem
plenamente. Sem distinções relativas à espécie ou quanto à sua
utilização pelos humanos. Trata-se de:
Seres
conscientes, capazes de sofrer, mas também de aproveitar vidas
repletas de possibilidades existenciais. Não precisamos ser
ativistas da causa animal para entendermos que isso não está certo.
Parece intuitivamente equivocado tratarmos, com tão menos
consideração, animais equivalentes em constituição física e
psíquica aos que habitam nossos lares. [...] em uma aproximação
preliminar, parece emergencial buscarmos igualdade de tratamento
entre animais não-humanos, [...]. Neste sentido, parece claro que
eventuais exceções legais abertas ao uso indiscriminado – e,
potencialmente, cruel – de animais são pelo menos moralmente
arbitrárias: para animais com capacidades semelhantes, tratamento
semelhante (RODRIGUES,
2010, p. 250).
Nessa
monta, a doutrina moderna já entende que o rol de seres com
faculdade para figurar como parte judicialmente deve ser ampliado aos
animais não-humanos. Na medida em que são reconhecidos alguns de
seus direitos, estes precisam de defesa judicial. Em outras palavras:
De
que valeria, portanto, a concessão de diversos direitos dispostos na
ordem jurídica pátria aos animais se não lhes fosse outorgado, em
contrapartida, a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento dos
deveres que lhe sejam correlatos ou, ao menos, o seu respeito? Se o
ordenamento, normatiza interesses dos animais exaltando-os à
condição de direitos, ao mesmo passo, oportuniza lhes acesso aos
meios judiciais para demandar-lhes a proteção. Para nós esta é
parêmia clássica no Direito (LIMA, 2007, p. 236).
Por
sua vez, estender a interpretação do artigo 5º da Constituição
da República Federativa do Brasil (1988), para abarcar os animais
não-humanos, seria uma alternativa para nacionalizar as variadas
leis municipais. Visto que, alguns Estados e Municípios possuem
iniciativas dignas de serem seguidas pelo país inteiro, e, talvez
interpretar de forma extensiva direitos expostos na Carta Maior do
Brasil, signifique maior receio em descumpri-los.
Assim,
deveria existir um “direito dos seres vivos”. Abandonando o
embasamento antropocêntrico constitucional, contrariando
doutrinadores que pensam de forma que ora se transcreve:
O
meio ambiente deve ser embasado em uma visão antropocêntrica
alargada mais atual que admite a inclusão de outros elementos e
valores. Esta concepção faz parte integrante do sistema jurídico
brasileiro. Assim, entende-se que o meio ambiente deve ser protegido
com vistas ao aproveitamento do homem, mas também com o intuito de
preservar o sistema ecológico em si mesmo [...] o meio ambiente é
um direito fundamental do homem [...] (LEITE, 2003, p. 91-92).
Tal
visão pode ser ampliada para proveito de todos os animais.
Entretanto, mesmo com direitos animais já legalizados, se faz
presente a utilização de carroças puxadas por burros e cavalos o
dia inteiro e sob o sol quente, realidade comum nas cidades do
Nordeste, por exemplo. Ou a venda de animais domésticos em gaiolas,
expostos em vitrines nas lojas que vendem ração. Sem adentrar na
quantidade de animais vagando pelas ruas, abandonados.
Ainda
assim, é perceptível que há uma tentativa de “proteção” da
fauna brasileira, como um todo, por meio de medidas constitucionais e
infraconstitucionais. No entanto, em se tratando de Brasil, nota-se a
carência de normas que obriguem a redução de maus-tratos pelas
indústrias de abate, que é o cerne da questão aqui explorada.
Fala-se muito em proteção para evitar a crueldade, mas a criação
de animais pelas indústrias de alimentos é o ápice da crueldade.
A
Instrução Normativa Nº 03, do ano 2000, publicada pelo Ministério
da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com o intuito de regular o
“abate humanitário” é alvo de críticas:
não
inclui em seu conceito de abate humanitário os procedimentos de
embarque e transporte de animais, esta não dispõe de normas que
regulem tais etapas, de forma que sejam evitados sofrimentos
desnecessários e seja garantido o bem-estar dos animais. [...]
falha, ainda, ao não diferenciar limites máximos de tempo entre o
atordoamento e a sangria para as várias espécies destinadas a
consumo humano (D’ÁVILA, [2000?], p. 02).
Inocência
acreditar que a crueldade está presente apenas no momento em que a
morte é preparada, quando do golpe dado pelo abatedor. A realidade é
que o animal sofre durante todo o embarque e transporte para o
abatedouro.
Em
se tratando da legislação estrangeira, os países europeus são os
que mais dedicam leis de proteção aos animais. A Suíça, em 1992,
aprovou uma lei de reconhecimento dos animais como seres, proibindo
que galinhas fossem criadas em gaiolas (CHUAHY, 2009). A Holanda,
2004, parou a comercialização, em supermercados, de ovos de
galinhas criadas presas (CHUAHY, 2009). Chuahy (2009), cita que os
países asiáticos, por sua vez, são os considerados os mais
atrasados quando o assunto é a tutela de proteção aos animais
não-humanos:
O
Japão, por exemplo, tem uma lei para o bem-estar do animal, mas na
prática ela não é utilizada, e o país apresenta um dos piores
padrões do mundo no tratamento de animais. Testes em laboratórios
não são regularizados; animais em circos, zoos e pet shops são
mantidos em péssimas condições; fazendas-fábricas são comuns; o
comércio de marfim cresce a cada dia; e a caça de baleias e outros
animais em perigo de extinção é permitida pelo governo. Taiwan e
Filipinas aprovaram a primeira lei a favor do bem-estar dos animais
em 1998. Na China, as leis de proteção só defendem aqueles em
extinção, e mesmo assim não são cumpridas (CHUAHY, 2009, p. 206).
A
China só se preocupou com a vedação dos maus-tratos e tortura a
animais quando viu a gigantesca quantidade de galinhas e gatos serem
assassinados pela população assustada com os surtos de gripe
asiática e da síndrome respiratória aguda severa, que assombraram
o país nos anos de 2003 e 2004 (CHUAHY, 2009, p. 206). De toda
forma, em todos esses países aqui citados, as legislações em vigor
sofrem de um mal já conhecido pelos brasileiros: a falta de
fiscalização das leis.
Não
se encontram leis que vedem o sofrimento desnecessário causado pelas
indústrias produtoras de carne. O que se pode encontrar são manuais
ou regulamentos de bem-estar animal, bem como guias técnicos de
abate para operadores de abatedouros. Com o falso discurso de que
todos sairão ganhando, inclusive o meio ambiente. E assim os animais
são tratados como bifes:
Abatedouros
(ou Matadouros): realizam o abate dos animais, produzindo carcaças
(carne com ossos) e vísceras comestíveis. [...] também fazem a
desossa das carcaças e produzem os chamados “cortes de açougue”,
porém não industrializam a carne; Frigoríficos: [...] os que
abatem os animais, separam sua carne, suas vísceras e as
industrializam, gerando seus derivados e subprodutos, ou seja, fazem
todo o processo dos abatedouros/matadouros e também industrializam a
carne; e aqueles que não abatem os animais - compram a carne em
carcaças ou cortes, bem como vísceras, dos matadouros ou de outros
frigoríficos para seu processamento e geração de seus derivados e
subprodutos [...]; e, Graxarias: processam subprodutos e/ou resíduos
dos abatedouros ou frigoríficos e de casas de comercialização de
carnes (açougues), como sangue, ossos, cascos, chifres, gorduras,
aparas de carne, animais ou suas partes condenadas pela inspeção
sanitária e vísceras não-comestíveis (GOVERNO DE SÃO PAULO,
2006, p. 28).
Entretanto,
em meio a guias técnicos voltados para as indústrias produzirem
carne de qualidade, o manual de ‘Abate Humanitário de Bovinos’
realizado pela Sociedade Mundial de Proteção Animal com o apoio do
Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, lançaram em
2012 este material didático visando instruir sobre o abate
humanizado. Relembrando o capítulo primeiro desta pesquisa, essa
forma de abate é defendida pelos utilitaristas e defensores do
bem-estar animal.
Dispõe
o manual sobre seus objetivos:
as
pessoas perderam parte da sensibilidade e conhecimento prático em
relação aos animais. Esse Programa tem a intenção de resgatar a
sensibilidade das pessoas, enfatizando a importância de evitar o
sofrimento desnecessário. Este livro é parte do material didático
elaborado pelo Steps para a formação dos multiplicadores que irão
atuar na rotina de trabalho e proporcionar um melhor tratamento para
os animais. Embora o manejo pareça algo simples, é necessário o
conhecimento sobre os animais, como eles interagem com o ambiente e
como as instalações e equipamentos podem proporcionar recursos que
auxiliem o manejo calmo e eficiente, reduzindo o estresse tanto para
as pessoas como para os animais (LUDTKE, 2012, p. 5).
Este
manual parece ser o mais completo, no Brasil, em se tratando de
evitar o sofrimento excessivo ao animal que vai para o abate.
Seguindo diretrizes advindas da Organização Mundial de Saúde
Animal (OIE), que levam a conclusão de que tais ensinamentos são os
que regem, ou deveriam reger, todas as indústrias de abate bovino.
O
manual intitulou de Programa STEPS, o Programa Nacional de Abate
Humanitário, que com base nas recomendações internacionais,
elaborou diversas diretrizes, dentre as quais:
devem
ser transportados apenas se estiverem em boas condições físicas;
Os manejadores devem compreender o comportamento dos animais; Animais
machucados ou sem condições de moverem-se devem ser abatidos de
forma humanitária imediatamente;[...] não devem ser forçados a
andar além da sua capacidade natural [...]; O uso de bastões
elétricos só deve ser permitido em casos extremos e quando o animal
tiver clareza do caminho a seguir; Animais conscientes não podem ser
arrastados ou forçados a moverem-se caso não estejam em boas
condições físicas; [...] O abate deverá ser realizado de forma
humanitária, com equipamentos adequados para cada espécie;
Equipamento de emergência deve estar disponível, em caso de falha
do primeiro método de insensibilização (LUDTKE, 2012, p. 10-11).
Nesse
diapasão, é notória a preocupação em evitar o “sofrimento pelo
sofrimento” do animal. Pode-se dizer que, se cumpridas e
fiscalizadas tais orientações, cumpre-se o pretendido pelos
bem-estaristas. Mas, como se percebe, tais metas são ouriundas de
materiais didáticos, e não de leis ou mesmo estatutos.
Falando
em estatutos, recentemente foi aprovado, no Brasil, pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o Estado dos Animais, com
21 artigos, cuja decisão terminativa depende da Comissão
de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle
(CMA). O relator Antônio Anastasia retirou trechos do projeto que
versam sobre a proibição de causar aos animais lesão moral, posto
que o ordenamento pátrio não entende os animais como seres
equiparados a humanos. Excluindo, ainda, a parte que se referia ao
abate animal com fins comerciais por entender que tal situação deve
ser objeto de lei específica (AGÊNCIA SENADO, 2016).
Por
óbvio, carece, sim, de legislação específica a comercialização
de carne de qualquer espécie de animal não-humano. Trata-se de uma
carência mundial, qual talvez comece de maneira seletiva, por
espécie animal. A exemplo, pode-se citar a iniciativa do prefeito de
São Paulo, que tenta proibir o comércio de foie
gras
na cidade.
O
pioneirismo talvez precise mesmo começar gradativamente, a partir de
alimentos que não estão sempre nos pratos, como bois, porcos,
peixes e galinhas. É mais compreensível proibir que gansos sejam
criados para passarem a vida com tubos na boca para serem alimentados
até engordarem o suficiente para o peso ideal de abate.
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