segunda-feira, 18 de março de 2019

Quadro Legal de Proteção Jurídica aos Animais


(O texto de que segue foi extraído do meu trabalho de conclusão do curso de Direito.)

Trata-se de um apanhado de diversos dispositivos de proteção animal no tocante, principalmente, às técnicas de abate. A começar pela Declaração Universal dos Direitos dos Animais até os guias brasileiros voltados para as indústrias da produção de alimentos.

Ressalta-se, por oportuno, que no âmbito legal a França foi quem influenciou os demais a países a abrirem os olhos para os direitos dos animais, sendo a primeira a promulgar leis a respeito (NOIRTIN, 2010) e, no ano de 2015, passou a reconhecer os animais como seres sencientes, e não mais como propriedade, em seu Código Civil vigente (AVANCINI, 2015).

A explanação dos dispositivos de proteção aos animais não pode ser de outra forma, se não pela abordagem da Declaração Universal dos Direitos dos Animais (1978). Esta que serve de modelo para as legislações que surgiram depois (MÓL; VENANCIO, 2014).
A citada Declaração conta com 14 artigos, e em seu preâmbulo está disposto:

Considerando que todo o animal possui direitos; Considerando que o desconhecimento e o desprezo desses direitos têm levado e continuam a levar o homem a cometer crimes contra os animais e contra a natureza; Considerando que o reconhecimento pela espécie humana do direito à existência das outras espécies animais constitui o fundamento da coexistência das outras espécies no mundo; Considerando que os genocídios são perpetrados pelo homem e há o perigo de continuar a perpetrar outros; Considerando que o respeito dos homens pelos animais está ligado ao respeito dos homens pelo seu semelhante; Considerando que a educação deve ensinar desde a infância a observar, a compreender, a respeitar e a amar os animais [...] (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS – UNESCO, 1978).

A proposta dos ambientalistas que a elaboraram criou princípios de ordem internacional, visto que vários países estavam desde o século XIX desenvolvendo pequenas leis de proteção à fauna, conforme as nações se desenvolviam após a revolução industrial (MÓL; VENANCIO, 2014).

No Brasil, a criação de leis iniciou-se em âmbitos municipais. E foi em 1920 que surgiu a primeira lei em âmbito nacional, o Decreto nº 14.529:

Nela regulava-se o funcionamento das “casas de diversões públicas”. O texto dessa determinação seguia o modelo norte-americano do século anterior, proibindo os combates de animais como forma de divertimento, afirmando: “Art. 5º Não será concedida licença para corridas de touros, garraios [bezerros] e novilhos, nem briga de galos e canários ou quaisquer outras diversões desse gênero que causem sofrimento aos animais” (MÓL; VENÂNCIO, 2014, p. 23).

Assim, surgia no Brasil, o primeiro diploma legal de proteção aos animais. Entretanto, parece que a proteção ficou só no papel, pois até hoje se tem notícia das rinhas de galo, como se pode ilustrar com o seguinte exemplo de 2012:

A Polícia Ambiental de Maringá prendeu, por volta das 13h deste domingo, 2 de novembro, quatro homens que promoviam rinhas na região do município de Paiçandu (a 16km de Maringá), no Paraná. Segundo o jornal O Diário, o flagrante, realizado graças a uma denúncia anônima, resgatou mais de 15 galos. [...] A outra apreensão foi realizada em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, MG, também no último domingo. Cerca de 41 pessoas foram detidas e serão investigadas por maus-tratos a animais em promoção de rinhas de galo na região. A apreensão também foi realizada após uma denúncia anônima e, de acordo com a Polícia Militar (PM), cerca de 56 aves, algumas delas feridas, foram resgatadas (PIETRA, 2012, p. [?]).

Outra legislação federal lançada foi o Decreto n. 24.645/34, na Era Vargas. O referido decreto tratava da proteção animal, tendo destaque o seu artigo 3º, que elencava várias hipóteses consideradas maus-tratos, dentre elas:

I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;
III – obrigar animais a trabalhos excessivos ou superiores às suas forças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo;
[...]
XXIX – realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécie ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado; (BRASIL, 1934).

Não advém da escassez de normas destinadas à proteção dos animais a continuidade de práticas de maus-tratos e tortura aos mesmos. Diversos regulamentos já foram criados, em se tratando de maus-tratos.

A proteção em âmbito constitucional se fez presente no Brasil, finalmente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que regulamentou em seu artigo 225 o direito do povo ao meio ambiente equilibrado, ficando ao encargo do Poder Público e da coletividade o dever de proteção:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Regulamento) (BRASIL, 1988, p. 143).

Mister destacar que a proteção e defesa não estão limitadas aos animais silvestres ou próximos à extinção, a tutela diz respeito a toda fauna. O promotor de justiça Laerte Fernando Levai ([2001?], p. 7) ressalta que:

ao vedar a submissão de animais a atos de crueldade, sugere um tratamento ético para com eles - rompendo com a visão antropocêntrica do direito brasileiro - em quase a totalidade de nosso ordenamento jurídico faunístico preponderam interesses outros que não aqueles relacionados à compaixão que se deve nutrir pelas criaturas vivas. Isso porque, em regra, os textos legislativos brasileiros que se propõem – a priori - à tutela jurídica dos animais, não resistem a uma apurada análise crítica. Embora sob uma roupagem aparentemente protecionista ou humanitária, acabam eles se tornando leis permissivas de comportamentos cruéis

Isso porque várias leis cumprem o papel oposto ao de proteger e proibir práticas cruéis, e servem para permitir e regulamentar determinadas atividades como a caça, a vivissecção, o comércio de animais, dentre outros.

Ainda nesta seara, Levai ([2001?], p. 27) ressalta, que o dispositivo 225, § 1º,VII da Constituição da República Federativa do Brasil:

ao vedar as práticas que submetam os animais à crueldade, traz em si um imperativo ético que reconhece o animal como ser vivente capaz de sofrer, e não como objeto ou recurso natural, permitindo-lhe assumir a condição de sujeito jurídico.

Por sua vez, não se pode falar em legislação pátria sobre o direito dos animais sem citar a Lei de Crimes Ambientais (9.605/98), e no que tange à proteção da fauna, cabe citar o artigo 32, que se refere à criminalização por abuso e maus-tratos:

Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena: detenção de três meses a um ano e multa. § 1º - incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. § 2º - a pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre a morte do animal (BRASIL, 1998, p. 1860).

Importante citar o bem jurídico que se pretende tutelar a partir da inclusão do artigo 32 na Lei 9.605/98. Como bem se observa, trata-se da proteção fauna brasileira: silvestre, doméstica ou domesticada, nativa ou exótica. Qualquer animal humano pode ser o agente do crime, porém o sujeito passivo não se trata do animal, mas sim, a coletividade. O animal é tratado como objeto material (PRADO, 2005).

Kamila Guimarães de Moraes (2009) destaca que tramita na Câmara de Deputados, desde 1988, quando da promulgação da referida Lei, o Projeto de Lei nº 4.548, para retirar do artigo 32 as expressões "domésticos ou domesticados" para que preserve determinadas práticas culturais.

Luiz Regis Prado, no livro Direito Penal do Ambiente, se preocupa em explicar as particularidades dos artigos que compõe a Lei de Crimes Ambientais, já citada, mas não faz uma abordagem que vá além daquela que o homem médio já esteja acostumado, como atos cruéis em animais não-humanos, tais como: “agente que é surpreendido transportando inadequadamente aves”; “ agente que, de modo cruel, bate com violência e introduz pedaço pontiagudo de madeira na égua que puxava sua carroça”; “agente que ateia fogo em cachorro” (PRADO, 2005, p. 280-281).

Não que estes atos não sejam cruéis a ponto de não merecerem sanção a quem os pratica, são, sim, atos covardes, mas o autor não traz como cruéis o objeto desta pesquisa, qual seja, as práticas de maus-tratos na criação e abate de animais pela indústria alimentícia.

A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, em seu artigo 3º defende que: “a) Nenhum animal será submetido a maus-tratos e a atos cruéis. b) Se a morte de um animal é necessária, deve ser instantânea, sem dor ou angústia”. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS DOS ANIMAIS, 1978, p. [?]). A cultura de comer a carne animal não significa ato cruel? As grandes indústrias de criação animal para o abate não agem de forma a ocasionar maus-tratos e crueldade? Ou, a morte de um animal é, de fato, necessária para a minha alimentação?

Difícil não repetir tais questionamentos. O legislador, quando da criação desses dispositivos, faz uma proteção seletiva e esquece-se de regular quais atos são cruéis. O antropocentrismo que ainda ronda a humanidade faz crer que algumas práticas de exploração animal na verdade não exploram os animais, tão somente refletem a superioridade e inteligência humana em dominar o mais fraco.

Alargando a interpretação do catálogo de princípios em defesa dos direitos humanos, para que sejam aplicados também aos animais, tem-se o artigo 5º da (BRASIL, 1988), que em seu inciso III, assegura: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. O que não parecer ser uma conclusão absurda se levar em consideração o posicionamento dos bem-estaristas (utilitaristas), que defendem um tratamento humano aos animais quando necessária sua utilização em pesquisas científicas.

Nesse entendimento, nada mais justo que proibir a todos os animais, humanos ou não, a exposição a tratamento desumano ou degradante. Sendo assim, ambos sujeitos de direitos humanos já tutelados juridicamente. Cabendo a eles direitos já regulados, tais como: “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança” (BRASIL, 1988, p. 15). Por óbvio, não se fala em liberdade no sentido de que todos vivam soltos e vaguem pelas ruas e propriedades. Os animais não-humanos são como crianças de quatro anos, vão sempre precisar de cuidados humanos para proteção e alimentação.

Cabe fazer a observação sobre a problemática em torno da consideração dos animais não-humanos como sujeitos de direito, pois para a “doutrina clássica, o sujeito de direito é a quem a ordem jurídica atribui a faculdade, o poder ou a obrigação de agir, exercendo poderes ou cumprindo deveres” (NOIRTIN, 2010, p. 135).

Entretanto, esta concepção já vem sofrendo mudanças, a partir da constatação de os animais não-humanos também serem possuidores de direitos:

Embora alguns juristas reconheçam a existência de um direito especial de proteção aos animais, a ideia de considerar o animal não apenas como bem móvel ou coisa, mas como sujeitos de direito, se consolida à medida que se reconhece que os direitos não devem ser atribuídos a um ser somente pela sua capacidade de falar ou pensar mas também pela sua capacidade de sofrer (NOIRTIN, 2010, p. 136).

Mas, deve-se pensar além da capacidade de sofrimento, e compreender os animais como sujeitos de direito deve levar em consideração, também, a capacidade que eles possuem de serem felizes, de viverem plenamente. Sem distinções relativas à espécie ou quanto à sua utilização pelos humanos. Trata-se de:

Seres conscientes, capazes de sofrer, mas também de aproveitar vidas repletas de possibilidades existenciais. Não precisamos ser ativistas da causa animal para entendermos que isso não está certo. Parece intuitivamente equivocado tratarmos, com tão menos consideração, animais equivalentes em constituição física e psíquica aos que habitam nossos lares. [...] em uma aproximação preliminar, parece emergencial buscarmos igualdade de tratamento entre animais não-humanos, [...]. Neste sentido, parece claro que eventuais exceções legais abertas ao uso indiscriminado – e, potencialmente, cruel – de animais são pelo menos moralmente arbitrárias: para animais com capacidades semelhantes, tratamento semelhante (RODRIGUES, 2010, p. 250).

Nessa monta, a doutrina moderna já entende que o rol de seres com faculdade para figurar como parte judicialmente deve ser ampliado aos animais não-humanos. Na medida em que são reconhecidos alguns de seus direitos, estes precisam de defesa judicial. Em outras palavras:

De que valeria, portanto, a concessão de diversos direitos dispostos na ordem jurídica pátria aos animais se não lhes fosse outorgado, em contrapartida, a faculdade de exigir judicialmente o cumprimento dos deveres que lhe sejam correlatos ou, ao menos, o seu respeito? Se o ordenamento, normatiza interesses dos animais exaltando-os à condição de direitos, ao mesmo passo, oportuniza lhes acesso aos meios judiciais para demandar-lhes a proteção. Para nós esta é parêmia clássica no Direito (LIMA, 2007, p. 236).

Por sua vez, estender a interpretação do artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil (1988), para abarcar os animais não-humanos, seria uma alternativa para nacionalizar as variadas leis municipais. Visto que, alguns Estados e Municípios possuem iniciativas dignas de serem seguidas pelo país inteiro, e, talvez interpretar de forma extensiva direitos expostos na Carta Maior do Brasil, signifique maior receio em descumpri-los.

Assim, deveria existir um “direito dos seres vivos”. Abandonando o embasamento antropocêntrico constitucional, contrariando doutrinadores que pensam de forma que ora se transcreve:

O meio ambiente deve ser embasado em uma visão antropocêntrica alargada mais atual que admite a inclusão de outros elementos e valores. Esta concepção faz parte integrante do sistema jurídico brasileiro. Assim, entende-se que o meio ambiente deve ser protegido com vistas ao aproveitamento do homem, mas também com o intuito de preservar o sistema ecológico em si mesmo [...] o meio ambiente é um direito fundamental do homem [...] (LEITE, 2003, p. 91-92).

Tal visão pode ser ampliada para proveito de todos os animais. Entretanto, mesmo com direitos animais já legalizados, se faz presente a utilização de carroças puxadas por burros e cavalos o dia inteiro e sob o sol quente, realidade comum nas cidades do Nordeste, por exemplo. Ou a venda de animais domésticos em gaiolas, expostos em vitrines nas lojas que vendem ração. Sem adentrar na quantidade de animais vagando pelas ruas, abandonados.

Ainda assim, é perceptível que há uma tentativa de “proteção” da fauna brasileira, como um todo, por meio de medidas constitucionais e infraconstitucionais. No entanto, em se tratando de Brasil, nota-se a carência de normas que obriguem a redução de maus-tratos pelas indústrias de abate, que é o cerne da questão aqui explorada. Fala-se muito em proteção para evitar a crueldade, mas a criação de animais pelas indústrias de alimentos é o ápice da crueldade.

A Instrução Normativa Nº 03, do ano 2000, publicada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, com o intuito de regular o “abate humanitário” é alvo de críticas:

não inclui em seu conceito de abate humanitário os procedimentos de embarque e transporte de animais, esta não dispõe de normas que regulem tais etapas, de forma que sejam evitados sofrimentos desnecessários e seja garantido o bem-estar dos animais. [...] falha, ainda, ao não diferenciar limites máximos de tempo entre o atordoamento e a sangria para as várias espécies destinadas a consumo humano (D’ÁVILA, [2000?], p. 02).

Inocência acreditar que a crueldade está presente apenas no momento em que a morte é preparada, quando do golpe dado pelo abatedor. A realidade é que o animal sofre durante todo o embarque e transporte para o abatedouro.

Em se tratando da legislação estrangeira, os países europeus são os que mais dedicam leis de proteção aos animais. A Suíça, em 1992, aprovou uma lei de reconhecimento dos animais como seres, proibindo que galinhas fossem criadas em gaiolas (CHUAHY, 2009). A Holanda, 2004, parou a comercialização, em supermercados, de ovos de galinhas criadas presas (CHUAHY, 2009). Chuahy (2009), cita que os países asiáticos, por sua vez, são os considerados os mais atrasados quando o assunto é a tutela de proteção aos animais não-humanos:

O Japão, por exemplo, tem uma lei para o bem-estar do animal, mas na prática ela não é utilizada, e o país apresenta um dos piores padrões do mundo no tratamento de animais. Testes em laboratórios não são regularizados; animais em circos, zoos e pet shops são mantidos em péssimas condições; fazendas-fábricas são comuns; o comércio de marfim cresce a cada dia; e a caça de baleias e outros animais em perigo de extinção é permitida pelo governo. Taiwan e Filipinas aprovaram a primeira lei a favor do bem-estar dos animais em 1998. Na China, as leis de proteção só defendem aqueles em extinção, e mesmo assim não são cumpridas (CHUAHY, 2009, p. 206).

A China só se preocupou com a vedação dos maus-tratos e tortura a animais quando viu a gigantesca quantidade de galinhas e gatos serem assassinados pela população assustada com os surtos de gripe asiática e da síndrome respiratória aguda severa, que assombraram o país nos anos de 2003 e 2004 (CHUAHY, 2009, p. 206). De toda forma, em todos esses países aqui citados, as legislações em vigor sofrem de um mal já conhecido pelos brasileiros: a falta de fiscalização das leis.

Não se encontram leis que vedem o sofrimento desnecessário causado pelas indústrias produtoras de carne. O que se pode encontrar são manuais ou regulamentos de bem-estar animal, bem como guias técnicos de abate para operadores de abatedouros. Com o falso discurso de que todos sairão ganhando, inclusive o meio ambiente. E assim os animais são tratados como bifes:

Abatedouros (ou Matadouros): realizam o abate dos animais, produzindo carcaças (carne com ossos) e vísceras comestíveis. [...] também fazem a desossa das carcaças e produzem os chamados “cortes de açougue”, porém não industrializam a carne; Frigoríficos: [...] os que abatem os animais, separam sua carne, suas vísceras e as industrializam, gerando seus derivados e subprodutos, ou seja, fazem todo o processo dos abatedouros/matadouros e também industrializam a carne; e aqueles que não abatem os animais - compram a carne em carcaças ou cortes, bem como vísceras, dos matadouros ou de outros frigoríficos para seu processamento e geração de seus derivados e subprodutos [...]; e, Graxarias: processam subprodutos e/ou resíduos dos abatedouros ou frigoríficos e de casas de comercialização de carnes (açougues), como sangue, ossos, cascos, chifres, gorduras, aparas de carne, animais ou suas partes condenadas pela inspeção sanitária e vísceras não-comestíveis (GOVERNO DE SÃO PAULO, 2006, p. 28).

Entretanto, em meio a guias técnicos voltados para as indústrias produzirem carne de qualidade, o manual de ‘Abate Humanitário de Bovinos’ realizado pela Sociedade Mundial de Proteção Animal com o apoio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, lançaram em 2012 este material didático visando instruir sobre o abate humanizado. Relembrando o capítulo primeiro desta pesquisa, essa forma de abate é defendida pelos utilitaristas e defensores do bem-estar animal.

Dispõe o manual sobre seus objetivos:

as pessoas perderam parte da sensibilidade e conhecimento prático em relação aos animais. Esse Programa tem a intenção de resgatar a sensibilidade das pessoas, enfatizando a importância de evitar o sofrimento desnecessário. Este livro é parte do material didático elaborado pelo Steps para a formação dos multiplicadores que irão atuar na rotina de trabalho e proporcionar um melhor tratamento para os animais. Embora o manejo pareça algo simples, é necessário o conhecimento sobre os animais, como eles interagem com o ambiente e como as instalações e equipamentos podem proporcionar recursos que auxiliem o manejo calmo e eficiente, reduzindo o estresse tanto para as pessoas como para os animais (LUDTKE, 2012, p. 5).

Este manual parece ser o mais completo, no Brasil, em se tratando de evitar o sofrimento excessivo ao animal que vai para o abate. Seguindo diretrizes advindas da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), que levam a conclusão de que tais ensinamentos são os que regem, ou deveriam reger, todas as indústrias de abate bovino.

O manual intitulou de Programa STEPS, o Programa Nacional de Abate Humanitário, que com base nas recomendações internacionais, elaborou diversas diretrizes, dentre as quais:

devem ser transportados apenas se estiverem em boas condições físicas; Os manejadores devem compreender o comportamento dos animais; Animais machucados ou sem condições de moverem-se devem ser abatidos de forma humanitária imediatamente;[...] não devem ser forçados a andar além da sua capacidade natural [...]; O uso de bastões elétricos só deve ser permitido em casos extremos e quando o animal tiver clareza do caminho a seguir; Animais conscientes não podem ser arrastados ou forçados a moverem-se caso não estejam em boas condições físicas; [...] O abate deverá ser realizado de forma humanitária, com equipamentos adequados para cada espécie; Equipamento de emergência deve estar disponível, em caso de falha do primeiro método de insensibilização (LUDTKE, 2012, p. 10-11).

Nesse diapasão, é notória a preocupação em evitar o “sofrimento pelo sofrimento” do animal. Pode-se dizer que, se cumpridas e fiscalizadas tais orientações, cumpre-se o pretendido pelos bem-estaristas. Mas, como se percebe, tais metas são ouriundas de materiais didáticos, e não de leis ou mesmo estatutos.

Falando em estatutos, recentemente foi aprovado, no Brasil, pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) o Estado dos Animais, com 21 artigos, cuja decisão terminativa depende da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA). O relator Antônio Anastasia retirou trechos do projeto que versam sobre a proibição de causar aos animais lesão moral, posto que o ordenamento pátrio não entende os animais como seres equiparados a humanos. Excluindo, ainda, a parte que se referia ao abate animal com fins comerciais por entender que tal situação deve ser objeto de lei específica (AGÊNCIA SENADO, 2016).

Por óbvio, carece, sim, de legislação específica a comercialização de carne de qualquer espécie de animal não-humano. Trata-se de uma carência mundial, qual talvez comece de maneira seletiva, por espécie animal. A exemplo, pode-se citar a iniciativa do prefeito de São Paulo, que tenta proibir o comércio de foie gras na cidade.

O pioneirismo talvez precise mesmo começar gradativamente, a partir de alimentos que não estão sempre nos pratos, como bois, porcos, peixes e galinhas. É mais compreensível proibir que gansos sejam criados para passarem a vida com tubos na boca para serem alimentados até engordarem o suficiente para o peso ideal de abate.


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